terça-feira, 2 de setembro de 2014

ARQUEOLOGIA DA PSICOSE


Eu estava procurando um livro, herdado de minha avó.Uma edição(hoje posso dizer) antiquíssima dos Contos das Mil e Uma Noites.Lembro-me da aspereza de suas  páginas envelhecidas e amareladas e , não sei porque deu-me vontade de pega-lo.Antes que eu pudesse encontra-lo lembrei-me da história, e quase que instantaneamente tive um surto , uma idéia maluca(lembre-se que estamos falando de psicose!).

Explico : O rei Xariar foi traído pela sua primeira esposa.Inconformado ele passou a desposar uma donzela por noite,possuindo-as e mandando-as matar pela manhã…O que me passou pela cabeça ?
Xariar era um “ serial killer” !

Como sempre, diverti-me com a idéia de ter usado um termo moderno para descrever o comportamento de um personagem de um conto com
nada menos de 12 séculos de idade.Mas, então a coisa começou a ficar séria.Lembrei-me do perturbado Saul , freqüentemente acalmado pela harpa de Davi , que nos intervalos corria da cólera do rei que tentava lhe tirar a vida .Lembrei-me dos ensandecidos Nero e Calígula até chegar ao “ moderno” Hitler .Achei curioso , no caso das Mil e Uma Noites que o escritor tivesse  plena consciência do desvario do personagem criado, do comportamento demonstrado para aliviar seu tormento utilizando-se de assassinatos em  série das donzelas como uma válvula de alivio.

Haveria um tratamento ou uma cura para esse processo de maldade desencadeado por uma traição?Como se comportaria esse rei assassino à frente de um dos nossos modernos psicoterapêutas?Ou, qual seria a sua atitude tendo de abdicar de seu poder e encarar uma prisão pelo resto de seus dias , ou mesmo provar de sua própria maldade ou íntimo senso de justiça, sendo executado ?
Incrível como a  sabedoria antiga , embora longe da ciência, mas conhecendo tão bem a natureza humana, tenha provido uma solução baseada nos próprios atributos humanos , no conhecimento das formas de pensar , da curiosidade, do relacionamento e no poder da sedução.
A história faz todo o sentido.Surgiu Sheherazade, a filha do vizir, a donzela corajosa e criativa que arriscaria a sua vida numa longa sessão de Psicoterapia com Xariar .Uma história a cada noite e o tratamento levou pelo menos três anos e produziu , pelo menos três filhos .

Xariar curou-se.Recuperou a confiança numa mulher,arrependeu-se das mortes por amor aos seus filhos …
A história atravessou séculos.Talvez , os autores desses contos tenham se baseado em fatos reais para construí-los.Esses grandes males e desvios ou transtornos de personalidade surgiam em personagens envolvidos com o poder .A maldade transformava-se em lei , por uma simples ordem.Quem haveria de contestar ?
À medida que vou escrevendo fico me perguntando : “Onde quero chegar com tudo isso ?”Talvez seja melhor perguntar,onde chegamos com tudo isso , ou onde a nossa Ciência chegou com tudo isso.
Eu comecei com a idéia do serial killer.Hoje , a Psiquiatria descreve alguns comportamentos presentes nos assassinos em série.Esses comportamentos são conhecidos como a “ Tríade MacDonald”:urinam na cama ,causam incêndios, e são cruéis com animais.

Volto ao Rei Xariar e me pergunto : Será que antes de ser traído pela esposa ele já fazia xixi na cama ?Punha fogo no Palácio?(Nero incendiou uma cidade,mas não era serial killer!)ou chutava os gatos reais do palácio ?
Escavando no tempo e nos documentos chegamos ao relato do primeiro homicídio reportado:A história de Abel e Caim.
Assim , precipitadamente, eu concluo que o Mal é uma idéia .Uma idéia que gera sentimentos e tanto essa idéia quantos os vários sentimentos nascidos dela atravessaram as eras voando , quem sabe ,num tapete voador.
A história não nos dá conta de outras Sheherazades que tenham se preocupado em enfrentar e extirpar a idéia do mal.
Evoluímos junto dele e deixamos que ele se agigantasse e se alastrasse , explicando-o ao invés de elimina-lo.Sei perfeitamente que essa é uma visão ingênua e parcial , que temos que considerar tantos fatores complexos que não caberiam numa simples exposição.Porém, assim como convivemos com a idéia do mal, criamos também a complexidade que nos proíbe sairmos dos padrões criados para explicar essa “ idéia”.

Estendendo um pouco , a maldade nem sempre é vista como crime.Persiste a idéia .No velho reinado egípcio alguns reis faziam enclausurar seus arquitetos nos monumentos fúnebres construídos para se preservar o segredo das várias alas internas.Outros, cegavam os artífices para que fossem incapazes de reproduzir a obra.Na Índia as viúvas eram queimadas junto de seus falecidos maridos.Assuero repudiou e enclausurou Vasti , a esposa real, por ter-se recusado a participar de um banquete.( ainda que Vasti não tenha existido ,persiste a idéia do mal).


A evolução das sociedades ao invés de produzir seres mais perfeitos e superiores tem contribuído para agravar os chamados transtornos.Hoje falamos em “ predisposições”.Predisposições genéticas, predisposições cerebrais , predisposições biológicas,como se a raça humana fosse composta de uma parcela de mutantes encarregados de infernizar o resto de seus semelhantes ( semelhantes?).

A maldade desceu os degraus do poder e alastrou-se pelas sociedades.Rezam as estatísticas que 85 por cento dos serial killers são americanos .Será que todos têm ou tinham predisposição para matar? Ou tais aberrações comportamentais foram adquiridas pelo exercício errado do poder a que estão submetidos?
Muitas vezes utilizamos a expressão “ cortar o mal pela raiz”.Mas onde estará essa raiz ?Nos lugares escuros das cidades?Nas favelas? Nos morros?Nas drogas ?
A raiz talvez esteja do lado de fora dos portões do Paraíso cuja localização jamais foi encontrada, e o primeiro homem dela se alimentou , quando pela primeira vez sentiu fome !

 

 

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