Tenho a história de uma mulher à minha frente , e agora não sei o que faço :Resumo a trajetória de uma artista ou conto uma história de amor ?
O comportamento humano é em grande parte previsível ,as reações de um artista, não !Mas, não é o artista um ser humano ?Então o que o faz ser imprevisível?A sensibilidade talvez…
Mas uma sensibilidade exasperada,isso mesmo , exasperada.É a sensibilidade furiosamente calma que desvenda mistérios intangíveis ao observador normal.É uma sensação angustiante,devoradora ,que só encontra a paz e a plenitude na expressão desses mistérios desvendados.Difícil é rotular , julgar, ou mesmo justificar a vida de um artista.Quantos se mutilaram,quantos enlouqueceram, quantos saíram fora dos padrões julgados “ normais” pela sociedade.Lembro-me de uma frase de Lygia Clark : “”O erótico vivido como profano e a arte vivida como sagrada se fundem numa experiência única.” Trata-se de misturar arte com vida.Talvez seja isso : Para o artista a arte não imita a vida , nem a vida imita a arte , tudo se funde numa só expressão , o erótico , o profano, o sagrado, o amor …a vida.
A vida premiou Auguste Rodin.A vida foi injusta com Camille Claudel.Mas, enfim, diríamos, a vida é feita de escolhas !
Auguste Rodin , o consagrado escultor admitiu Camille Claudel como aprendiz em seu estúdio.Aos 21 anos ela já produzira belas obras e aperfeiçoando sua arte sob a orientação de Rodin,despertou-lhe a atenção.O ano era 1885.Auguste Rodin tinha 55 anos , então .Há anos Rodin vivia com uma companheira, Rose Beuret.Mas , os dois se apaixonaram e Camille passou ser a outra.A partir daí viveu sentindo-se como se fosse a única na existência de Rodin.Trabalharam juntos e produziram obras magníficas.
A família de Camille não sabia desse envolvimento e isso iria lhe custar muito caro.
A família de Camille não sabia desse envolvimento e isso iria lhe custar muito caro.
Camille acaba engravidando e Rodin a afasta , mandando-a para o interior da França aos cuidados das chamadas “ fazedoras de anjos”.
A partir daí os fatos vem ao conhecimento da família e do público e Camille passa a ser considerada uma mulher….impura.
Muitas acusações recaem sobre ela e Rodin não lhe presta assistência.Desesperada , do seu claustro escreve a Rodin : “Parece que saio à noite pela janela de minha torre, suspensa numa sombrinha vermelha com a qual ponho fogo na floresta!!!”
Sem resposta ela rompe com Rodin e em 1892 abre seu próprio ateliê.Mas, estigmatizada ,não logra conseguir encomendas e torna-se uma alcólatra protagonizando diversos escândalos.
Conseguiu realizar duas exposições, nas quais não compareceu, por “estar muito acabada e feia para se expor”.
A uma galeria que ainda expunha suas obras justificou sua ausência por carta onde dizia: “ “Sou como pele de asno ou Cinderela, condenada a cuidar da lareira sem esperança de ver chegar a fada ou o Príncipe encantado que deve mudar minha roupa de pele ou cinzas em vestidos cor do tempo”.
Dizem que Camille enlouqueceu , pois sentia-se perseguida por Rodin.Há quem diga , ainda , que Rodin roubou algumas de suas obras.
Quando seu pai morreu , foi-se o seu porto seguro .Camille sabia que na ausência do pai ela seria internada num hospício pela mãe,que queria viver em paz com seu amante.Uma pessoa que tem essa consciência não pode ser considerada louca.
Num acesso de fúria Camille destrói a marteladas todas as suas esculturas e some por algum tempo. Seu ateliê transforma se em um lamentável espetáculo de ruína e devastação.Mas, voltamos ao começo.Seria essa atitude sintomas de loucura ?Uma artista que extrapolou os limites do amor,rompeu com a sociedade em nome desse amor e contentou-se em viver à sombra de seu mestre sendo o tempo todo ofuscada por Rodin.Ao destruir sua obra destruiu o significado de sua vida , na qual arte e amor estavam misturados.Foi um gesto de trágico simbolismo.
Oscar Wilde dizia que se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração.Camille Claudel nada mais fez do que confirmar esse pensamento.
Após a morte do pai , em 1913, sua mãe conseguiu um atestado médico com um amigo e os receios de Camille se concretizaram.O atestado dizia que Camille sofria de perturbações intelectuais muito sérias; tinha hábitos miseráveis, era absolutamente suja, nunca se lavava; que havia vendido todos os seus móveis; passava sua vida completamente fechada, só saindo à noite; e que tinha enorme pavor do bando de Rodin, sendo, portanto, necessária sua internação em uma Casa de Saúde.
Camille Claudel perdeu sua dignidade em troca de um amor não correspondido.
Consciente de seus atributos e já internada ela escreve :” “teria feito melhor comprando belos vestidos e belos chapéus que realçassem minhas qualidades naturais do que me entregar à minha paixão pelas construções duvidosas e os grupos mais ou menos ásperos” (…) “esta arte está mais de acordo com as grandes barbas e caras feias do que com uma mulher relativamente bem dotada pela natureza”.
Pergunto: Isso é loucura ?
Camille Claudel jamais sairia desse hospício graças aos esforços de sua mãe.
Em 1930 escreve sua última carta onde dizia : “hoje 3 de março é o aniversário de minha internação! Faz 17 anos que Rodin e os marchand de objetos de arte me enviaram para fazer penitência nos asilos. Eles é que mereciam estar nesta prisão, pois eles apoderaram-se da obra de toda minha vida através de B. que conta com sua credulidade e a de mamãe. Eles diziam: nós nos servimos de uma alucinada para encontrar nossos temas! É a exploração da mulher o esmagamento da artista de quem se quer espremer sangue! Tudo isto no fundo sai da cabeça diabólica de Rodin. (…) Tem novidades de Paul? De que lado ele está agora? Ainda tem a intenção de me deixar morrer em um asilo de alienados? É bem cruel para mim. Isto não é lugar para mim.”
Seu comportamento e consciência eram normais até que se tocasse no nome de Rodin.Então, ela enfurecia.
Camille jamais conseguiu sair desse asilo onde morreu em 1943.
Em 1880 Auguste Rodin recebeu a encomenda de uma porta, esta porta deveria extrair seus temas da Divina Comédia de Dante. Projetada sob a obra da “Porta do paraíso”, esculpida no século XV pelo italiano Lorenzo Ghilberti para o batistério de Florença. A obra levou anos para ser concluída. Feita em bronze traz 180 figuras com dimensões que variam de 15 cm a mais de um metro. Diversas figuras foram reproduzidas em tamanho maior como esculturas independentes. Entre elas, O Pensador, O Beijo e As Três Sombras.
Rodin e Camille trabalharam juntos para produzir essa grandiosidade denominada “As Portas do Inferno”, porém Camille não poderia imaginar que um dia as mãos que esculpiram a alegoria do Inferno de Dante a conduzissem porta adentro.
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